sexta-feira, 22 de abril de 2005

QUANTO DE TI DÁS A ESTE MAR, RAPAZ ?

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O rapaz continuou a andar, prancha debaixo do braço, como se as palavras não tivessem a força mínima exigida para picar a atenção de quem se dá ao respeito.
- "Quanto de ti dás a este mar, Rapaz?"
Insistiu o fantasma, já a subir para assombração.
O Rapaz virou-se e encarou um velho de barba amarelada, cabelo em grande confusão, roupa morta e um saco de serapilheira cheiro de latas ao ombro.
O espectro sorriu, mostrando uns dentes contraditóriamente brancos.
- "Quanto de ti dás a este mar, Rapaz?"
 - soltou a par de uma gargalhada feroz, enquanto recolocava ostensivamente o saco de latas ao ombro - como que a confirmar a importancia do que fazia - dava meia volta sem esperar resposta e desaparecia na maré vazia em direcção à praia seguinte, entre chocalhos de alumínio.
Bêbado ou maluco, pensou o rapaz, ou as duas.
Os dias foram passando o rapaz foi crescendo, passou a gastar lâminas para a barba, completou os estudos, e acabou mesmo por passar pela principal tragédia da vida de um homem, casou-se, mas minorou a tragédia, conseguiu ser feliz a intervalos. Chegou o primeiro filho, uma menina linda, mas faltava o danado cabra-macho.
À segunda lá aterrou o esperado varão. Ganhou a primeira prancha aos seis anos e o vício do surf no mesmo dia, como segundo presente.
- "Quanto de ti dás a este mar, Rapaz?"
pensava o pai de vez em quando. A pergunta ficou-lhe durante todos esses anos. De vez em quando acordava-o a meio da noite, sem sentido, para quem não mais voltou a ver o Velho.
Maldição, pensou. Antes Insónia.
Num Domingo qualquer, resolveu acompanhar o filho, agora instrutor de surf, à praia.
E foi ao ver uma aula do herdeiro que pergunta e fantasma se foram embora para sempre, exorcisados na mesma maresia, em sopro de Nortada.
- "Não tenhas medo do mar! Ele não te faz mal, desde que tu faças as coisas certas e saibas qual é o teu lugar."
assegurava o filho ao aluno de menos um metro.
- "Respeito e amor. Respeito pela sua força e por ele ser maior que tu. Maior que todos nós, emendou. E amor suficiente para mantê-lo limpo, vivo em todas as suas formas, percebes?"
O aluno sorriu, cheio de vontade de se fazer ao mar.
- "Sim, percebo filho!" - Pensei
Uns metros atrás, passava um rapaz pequeno a bater ruidosamente duas latas de coca-cola, ao som de uma gargalhada feroz para a idade.

In ONFIRE - Surf Mag

3 comentários:

  1. Opá... eu tinha lido, só não comentei porque não sei o que dizer...mas prontus e tu, quando dás de ti a este blog de mar... rapaz? (lol) percebes?

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  2. Oh cara Aragana! Não é necessário dizer o que é preciso é fazer! É dizer não ao mandar lixo para o chão, por exemplo. É respeitar a natureza para que pssamos receber em troca tudo o que ela nos dá...

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  3. Prezado Jakuti, belíssimo texto de onde você o retirou?

    Um abraço do Brasil para você.

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